Experiências - Parte 02 - Raiva e Pobreza

Era como que o sol queimasse a minha pele por inteiro.

Resolvi ir à praia, pisar na areia, tomar um banho de mar e desopilar. Achei uma barraca bacana, bem bonita e aconchegante por sinal e fiquei por lá mesmo. Pedi água de coco e deitei em uma das cadeiras. Era fim de tarde e o dia tinha sido bem puxado e cheio de problemas para resolver, que demandaram de mim muita energia. Por um instante, os olhos pesaram e...

Sonho...

Acordei no meio de uma multidão. Atordoado com o barulho, tapei os ouvidos e tentei observar ao meu redor um lugar em que pudesse me recolher. Nada a minha visão achava e fiquei ali por um bom tempo.

Era uma espécie de rua, estreita e com um fluxo de pessoas que passavam de um lado para o outro. Usavam roupas longas, as mulheres com lenços na cabeça e grandes cestos, os homens usavam algo parecido com um vestido e uns bonés, só que sem a aba na frente. As barracas eram de palha e madeira envelhecida, meio que inacabadas. As carroças eram arrastadas por alguns deles com vasos grandes e algumas com palhas como se fossem fenos. O verde era escasso e as casas pareciam feitas de barro liso, baixas e umas meio que em cima das outras.

Resolvi segui um daqueles fluxos e ver onde ia dar. Nada diferente daquilo vinha em minha mente para fazer. Tentei contato com algumas pessoas, mas pareciam que não me entendiam e alguns, na correria, nem paravam para me escutar. Uma experiência bem estranha. Estava mesmo perdido e uma raiva tomou conta de mim. Onde estaria eu naquele momento?

Caminhei quase que toda tarde e já cansado, com sede e com fome, cheguei num lugar que como um raio no pensamento me soou familiar. Mas como isso seria possível? Uma luz que saia pela pequena fresta era o único meio de me orientar naquele momento. Foi quando uma voz, com um teor de raiva me chamou atenção dizendo algo sobre não aceitar mais aquela pobreza que era só sofrimento. Sentei-me debaixo daquele buraco que possivelmente seria uma janela e fiquei a escutar. A voz já rouca de tanto gritar, ainda conseguia externalizar palavras densas sobre a sua vida, questionando o porquê de uns terem mais, outros menos e outros nem isso. A raiva que eu sentia aos poucos foi dando lugar a vergonha. Era impossível não se sensibilizar com toda aquela falta, sendo que eu já tinha tudo o que queria. Quer dizer, naquele momento só estava querendo mesmo saber que lugar era aquele.

Era perceptível a pobreza tão presente nos lugares em que passei. Os rostos franzinos que havia visto mais cedo entregavam a fome, e a correria, a necessidade de ter que trabalhar para conseguir algo para comer. A sobrevivência falava mais alto e de forma alguma dava lugar para outra coisa.

Ainda fiquei um bom tempo ali escutando todo o sofrimento recitado com raiva e que entrava como um punhal em meu peito me fazendo refletir sobre algo que poderia fazer por aquela pessoa. Ali mesmo adormeci e quando abri os olhos, estava de frente para o mar naquela cadeira que antes havia deitado.

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